sábado, 1 de janeiro de 2011

O “Falso” Malandro - A vida de um sambista na terra do forró

Texto originalmente publicado na Revista Impressões.
Pedro Souto Guimarães, filho de Severino Souto Guimarães e Adelaide Souto Guimarães, nasceu em Campina Grande, foi criado numa família de agricultores, arando a terra e plantando o sustento junto com três irmãs e dois irmãos, e é conhecido a mais de meio século na cidade como Pedro Cancha. Ele é um dos símbolos remanescentes da antiga boemia que viveu numa Campina Grande ainda florescendo como cidade em expansão e desenvolvimento.

Hoje, com setenta e quatro anos, Pedro Cancha não apresenta mais a virilidade e a elegância de tempos que outrora lhe dera fama, “mas não dinheiro”. Com as mãos calejadas, as roupas sujas de graxa devido ao conserto no carro, cabelos longos, barba por fazer e o rosto já marcado pelo tempo, nos recebeu em sua modesta casa no bairro do Cruzeiro que “de tão desarrumada parece a casa do Mazzaroppi nos filmes”, brinca Pedro. Contudo, ainda guarda consigo as histórias, a simpatia e os cacoetes de antigamente. Além de suas famosas vestimentas.
O próprio. Foto/Nathalia Quintella


Com sua voz mansa e baixa, que de súbito alterna-se em tons graves, emendando estórias pessoais com trechos de antigos sambas, Pedro Cancha não tem mais o pique de antigamente. Não costuma mais sair para as festas. Primeiro por falta delas. Não existem mais as gafieiras e os bares de antigamente. Depois pela violência, que o faz temer até morar sozinho no sítio. Pedro era o tipo de personagem presente em toda festa realizada nos finais de semana na cidade. Terminando o trabalho na lavoura e se arrumando para a festa, sempre. Das antigas festas-relâmpagos, conhecidas como Assustado, às gafieiras na Maciel Pinheiro ou na Feira Central, bem como dos forrós em Aroreiras, no bairro do 40 ou na Odon Bezerra, sua presença era certa. E a polêmica também.

Conhecido pelo modo estiloso de se vestir, sempre extravagante ou garboso até demais para os tempos conservadores de modos e costumes, Pedro Cancha surgia de paletó de linho, Kilt escocês ou calças vermelho-sangue, sapato-bico-fino ou botas de couro negro, além da sua vasta cabeleira atraindo atenção e admiração dos jovens e desespero dos mais velhos. Hoje em dia pode até ser uma indumentária qualquer, mas não para a época carente de uma revolução de contracultura que abalou os anos 60 e 70. Ele já teve a oportunidade de apanhar da polícia por causa de suas longas madeixas e ganhou fama ao introduzir a saia (mesmo que sendo masculino, no caso o Kilt escocês) na cidade, chegando a ser taxado de homossexual. “Eu era raparigueiro, isso sim”, defende-se com bom humor, explicando também que nunca casou “porque os pais de família não deixavam suas filhas namorarem comigo. E é por isso que minha casa é toda desarrumada. Não tem mulher para ajeitar”.
Pedro confortável em sua casa. Foto/Nathalia Quintella
Numa casa de poucos móveis e adornos, com contas a pagar jogadas pelo chão do terraço e da sala, Pedro Cancha tem hoje como entretenimento duas coisas: ouvir e cantar os velhos mestres do samba (Orlando Silva, Martinho da Vila, Lamartino Borba) e paparicar sua velha camioneta que é “mais ajeitada que minha casa”. Apesar de nunca ter se apresentado artisticamente, Pedro Cancha ostenta um vozeirão invejável que fora bem preservado dos excessos da vida boêmia. “Nunca bebi, nem fumei”, afirma para surpresa geral. Afinal, como um boêmio pode ter sido assim? “Não gosto de coisas que irá prejudicar minha saúde e minha inspiração”.

Analfabeto, tendo que trabalhar na lavoura do pai desde criança junto com os irmãos, Pedro mostra-se bastante antenado com o que se passa no Brasil e no mundo, vez por outra tecendo comentários sobre o julgamento do casal Nardoni, a guerra do Iraque e as supostas ideologias dos papas da Igreja Católica. Bastante apegado à religião, considera-se Espírita e tem no quintal de sua casa uma cruz esculpida. “Não se preocupem, não tem ninguém enterrado aí”, brinca. Sempre que pode, procura falar sobre sua preocupação com os mais pobres e de como poderíamos ajudá-los. Sem contar a sua desilusão com os políticos “que têm a chance de mudar as coisas, mas preferem ficar roubando”.

Mas e o nome Pedro Cancha, quem batizou assim? “Um repórter do Diário da Borborema lá nos anos 50 estava me entrevistando e pediu para mim ir andando, como se estivesse desfilando para tirar umas fotos. Fiz isso e ele disse ‘agora vou te chamar de Pedro Cancha’”. O apelido pegou até hoje.
Dançando a gafieira. Foto/Nathalia Quintella
À primeira vista quem só ouviu falar de Pedro Cancha levianamente de suas estórias, imagina que ele era algum filhinho-de-papai que só queria curtir as efemeridades da vida, como muitos jovens playboys de agora. Entretanto, quem ouve sua história e o vê hoje em dia, surpreende-se com o que é dito e visto. Trabalhador campal durante toda a juventude e preocupado em como ajudar os outros na velhice. Com esse perfil faz dissipar imediatamente a ideia imaginada acima. E entra em total sintonia com a descrição feita por si própria: “Eu sou um falso malandro. Não agia como os outros, nunca fui rico, só saia no final de semana e trabalhava. Por isso sou um falso malandro. Entrei de gaiato nessa vida”, revela o boêmio às gargalhadas.

2 comentários:

Ellen Bells disse...

Esse cara é uma figura!!! Gostei do blog Alisson, escreve muito bem e as matérias são bem interessantes.

sb disse...

é uma figura antropologica realmente, mas esses figuras que a idade alcançou ainda se encontrar em alguns guetos de forro campinense, a exemplo dos forros de sociedades de bairros e o velho e amado ipiranga clube e suas matines domingueiras, belo artigo, abraço!