Em 1965, Glauber Rocha resolve apresentar ao mundo um manifesto sobre o cinema latino americano. Sem parecer um estudo acerca dos filmes que até então compunha o panorama cinematográfico da epóca, Glauber prefere abordar sobre a estética e delimitar como deveriam ser então apresentados os filmes latino-americanos. Um ano antes de ter escrito o texto, Deus e o Diabo na Terra do Sol era lançado causando polêmica num país já as portas de um golpe militar e estremecendo Cannes em sua estréia que quase foi cancelada. Inspirado no ainda não-escrito manifesto, Deus e o Diabo serviu de exemplo estético de como se fazer cinema na América Latina no Terceiro Mundo para muitos.
O Cinema Novo, que estava dando seus primeiros passos desde Aruanda (1960), agregou Glauber como ícone e graças a ele o Brasil começa a escrever seu nome na história cinematógrafica. Assim como todo o perído dos agitados anos 60, o Cinema Novo tinha uma conotação Política pesada. De teor de esquerda, junto com a Nouvelle Vague francesa e o Neo-realismo italiano abordaram questões sociais e mazelas naturais e políticas de seus países produzindo obras-primas da sétima arte.
Abaixo, leiam o polêmico Manifesto da Estética da Fome retirada do blog Nueztra Ameryka, com introdução do crítico Ismail Xavier.
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Estética da Fome – ou Estétyka da Fome, como Glauber preferia grafar esse texto fundamental para a compreensão do projeto cultural dos cineastas brasileiros nos anos 60, projeto comum a vários cineastas da América Latina naqueles anos e que eclode como texto fundador na dialética Cinema e América Latina, rumo a uma integração do continente latinoamericano, numa via onde estética não se diferenciava de política.
Da fome. A estética. A preposição da, ao contrário da preposição sobre, marca a diferença: a fome não se define como tema, objeto do qual se fala. Ela se instala na própria forma do dizer, na própria textura das obras [...] passa a ser assumida como fator constituinte da obra, elemento que informa a sua estrutura e do qual se extrai a força da expressão, num estratagema capaz de evitar a simples constatação (somos subdesenvolvidos) ou o mascaramento promovido pela imitação do modelo imposto (que, ao avesso, diz de novo somos subdesenvolvidos).
(De um comentário de Ismail Xavier).
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A Estética da Fome foi originalmente apresentada em 1965, durante as discussões da Resenha do Cinema Latino-Americano de Gênova, naquele ano dirigidas pelo tema "O paternalismo do europeu em relação ao Terceiro Mundo" – e por aí já se pode verificar o quão incisivas eram suas propostas. Como explica Arnaldo Carrilho: No texto se encontrava algo a mais que a denúncia das misérias latino-americanas – prato suculento para o humanismo colonizador. Encontrava-se aqui enunciado, e anunciado, de maneira clara e irrefutável, o conceito de arte revolucionária, essência da cultura do Terceiro Mundo. Encontrava-se definida a força criadora do delírio da fome, única forma de compreensão desta cultura.
O artigo foi publicado pela primeira vez por aqui na Revista Civilização Brasileira (número 3, julho de 1965), tendo circulado por vários países e sendo revisada pelo próprio Glauber, alterações que visavam clarear suas idéias. Abaixo o artigo completo.