segunda-feira, 4 de maio de 2020

A História da Hoasca

por Rosa Virgínia Melo, de acordo com a narrativa da União do Vegetal (UDV)
Antes do dilúvio universal havia um Rei chamado Inca que governava com sabedoria, graças aos conselhos de sua misteriosa Conselheira Hoasca, que tudo sabia. Um dia Hoasca morreu e o Rei, desconsolado, sepultou-a. Nasceu na sepultura de Hoasca uma árvore que o Rei julgou ser Hoasca, assim denominando-a. Fez um chá da folha da árvore e o deu de beber ao seu marechal Tiuaco, na tentativa de que este descobrisse os segredos da Conselheira. Sentindo a presença de Hoasca, Tiuaco não resistiu e morreu. Foi sepultado ao lado da Conselheira do Rei, onde nasceu um cipó. O reinado, após a morte de Rei, virou uma tapera.

Muito tempo se passou e Salomão, Rei da Ciência, ouviu a história do Rei Inca e de sua Conselheira e foi, acompanhado de seu vassalo Caiano, ao encontro das sepulturas. Encontrou lá nascidos árvore e cipó, reconheceu-os como Hoasca e Tiuaco. Salomão anunciou a união dos vegetais e clamou: “o mariri nos dará força e a chacrona nos dará luz”.

Salomão ensinou a Caiano os mistérios da natureza divina. Fez um chá e, com palavras imperiosas para que se encontrasse com os poderes de Hoasca, ofereceu-o a Caiano. Caiano bebeu o vegetal, sentiu a força de Hoasca aproximar-se, começou a sufocar e, confome ensinamentos de Salomão, “chamou” por Tiuaco, “o grande rei no salão do vegetal”. Caiano aprendeu também os segredos da natureza divina, mas somente mediante poderes do pedido, capaz de abrir-lhe os encantos da Minguarana, tornando-se “o primeiro hoasqueiro”.

Tempos depois, o espírito de Caiano retornou no Peru, com o nome de Iagora, a quem todos chamam na hora da necessidade. Iagora é um imperador indígena nascido depois de Cristo e que “chama” por Jesus e pela Virgem da Conceição. Conhecido como Rei Inca porque contava a história do Rei Inca e de sua Conselheira Hoasca, Iagora foi degolado por discípulos que se revoltaram e seguiram pelo mundo, originando os “mestres de curiosidade”, desprovidos de “conhecimento”.

O retorno do espírito em sua quarta encarnação aconteceu na Bahia, e José Gabriel, homem simples do povo vivendo no seringal amazônico, “recorda-se” de sua “missão”: a de “equilibrar o vegetal”. Torna-se Mestre, abre “o oratório com o divino Espírito Santo”, e esclarece que oratório é para orar, explicar, falar o que é preciso. Ensina que, quando precisamos, chamamos: “eu chamo Caiano, chamo burracheira”. Contudo, Gabriel ensina, mas não chama, porque “Caiano sou eu, a burracheira é eu...”. Ao fim da narrativa tem-se, na voz do Mestre: “burracheira quer dizer força estranha, é por isso que eu não tenho burracheira... porque eu sou a burracheira e não existe coisa estranha para mim...”.
Rosa Virgínia Melo, « Encantamento e disciplina na União do Vegetal », Anuário Antropológico [Online], I | 2013, posto online no dia 01 outubro 2013, consultado no dia 04 maio 2020. URL: http://journals.openedition.org/aa/459; DOI: https://doi.org/10.4000/aa.459