sábado, 16 de abril de 2011

Vidas Secas e a Tragédia como algo Inevitável



  Título: Vidas Secas
Direção: Nelson Pereira dos Santos
Elenco: Maria Ribeiro e Atila Iorio
Duração: 1h40
Roteiro: Nelson Pereira dos Santos,
baseado na obra de Graciliano Ramos
Ano: 1963








 

 

Explorado pelo patrão, explorado pelo Estado – seja por meio de impostos ou pelo abuso de autoridades que deveriam lhe proteger – assim vai sobrevivendo o vaqueiro Fabiano no sertão nordestino. Enfrentando com inocência todos os desatinos que a vida lhe impõe. Analfabeto e ignorante perante os seus direitos, só lhe resta pacificamente sofrer na exploração patronal e agüentar calado a tortura injustificada comandada por um policial que se sentiu desacatado quando abandonado no carteado por Fabiano, seu parceiro de jogo. Numa terra bruta, só é ouvido com parcimônia aqueles que com brutalidade te tratarão.

Para chegar a esse tipo de vida o caminho foi árduo. Percorrendo milhas e milhas de terra quente sob o sol infernal, Fabiano, sua esposa Sinhá Vitória, seus dois filhos e a cachorra Baleia comeram o pão que o Diabo amassou. Ou nem isso...

A longa peregrinação atrás de um local para trabalhar pelas veredas do sertão já parecia indicar a amargura que se seguiria nos dois anos seguintes do desenrolar do filme. Impossível assegurar que algum deles chegaria sequer com vida ao final do percurso, concluindo o filme, assim, nos seus primeiros minutos iniciais, abatidos pela inação. Mas o homem do sertão, como se contesta e como descreveu de forma impecável Euclides da Cunha, tem uma força sobrecomum.

Nelson Pereira dos Santos, diretor de obras seminais do cinema brasileiro - Rio 40 Graus (1955) e Como Era Gostoso o meu Francês (1970) – documenta em Vidas Secas não somente a questão política de exploração, mas também as mazelas sociais do subdesenvolvimento do sertão nordestino, capaz de fazer compadecer muitos países africanos. Baseado na obra literária homônima de Guimarães Rosa, o filme é um dos alicerces fundamentais do Cinema Novo. Cumprindo a risca o manifesto do movimento ideologizado por Glauber Rocha. O documento entitulado Estética da Fome propunha “diretrizes” do que deveria ser abordado pelos filmes do movimento. A ver, o nordeste faminto, explorado e mazelado.

“O que é o inferno? Como é o inferno?”, indaga o curioso filho de Fabiano, após ouvir de uma rezadeira enquanto benzia o seu pai que estava todo machucado pela surra de palma de peixeira enquanto estava na prisão levada a cabo pelos policiais. Ao serem questionados ininterruptamente pelo filho, os pais se calam e tentam desviar de foco. Mas a insistência era grande e fuzilada novamente pela pergunta a mãe asperamente responde a contragosto afirmando que é um lugar muito ruim, para logo imediatamente expulsar o filho da cozinha. O filho por ser muito novo não percebe que a omissão da resposta significa a implicitamente a confirmação de que o inferno é aqui. E o sol infernal e a terra quente não estão lá por mero acaso.


O fim do dia se aproxima e parece que todos estão simplesmente esperando o fim do mundo.

O que resta, então, para uma família que vive na miséria? O que resta então para uma família que não tem uma cama decente para dormir e um calçado maltrapilho para vestir? O que resta é mais uma vez botar o pé na estrada.

Mesmo assim é difícil partir. E Baleia, a intrépida cachorra de estimação da família é a primeira a pressentir isso. Doente, não vai agüentar a trajetória por muito tempo, e para amenizar logo a sua dor Fabiano decide por um fim nisso. Baleia tenta escapar de seu fim, fugindo, se escondendo no mato, se esquivando com seu corpo debilitado, mas ela sabe que não vai adiantar muito. Então resignada, aceita passivamente seu destino. Abro um parêntese para incluir um adendo: Baleia é o canino mais injustiçado do cinema, não tendo por infortúnio do destino a mesma sorte de outro animal congênere do cinema, Lassie. Assim como o pastor-alemão do clássico hollywoodiano, Baleia tem tanta personalidade e tenacidade na tela quanto Lassie.



A família de Fabiano não percebe de inicio, mas seu novo êxodo pelo sertão equivale a fuga de Baleia da morte. De nada vai adiantar. A miséria vai sempre os perseguir, é o destino deles. “Vivemos fugindo, se escondendo no mato, como bicho”, sentencia Sinhá Vitória. Porém eles continuam, e depois da curva se deparam novamente com a vereda do sertão. Mudarão de lugar, mas não de situação. O inferno não são os outros.

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